Olhando de longe aquela parecia apenas mais uma cena comum, e talvez fosse. Sentado em um banco marfim de uma antiga praça bastante florida e bela, havia um idoso sábio, e que gostava de observar os pássaros a voar, cantar… Sua feição era triste e cansada, porém a transparência de seus sentimentos era nula. O senhor carrancudo estava a cantarolar cantigas de amor.
“Sad veiled bride, please be happy.
Handsome groom, give her room. (…)”.
Meus pensamentos posam todo o tempo naquela bela flor como se estes fossem uma ave que ao seu encontro daria um belo beijo de amor. Doce amor passado, atualmente amargurado. Isso tudo porque o tempo nunca foi meu aliado, então sempre fui dominado pela saudade. Não só dela, nem de outras, apenas do que um dia pude ser. E das coisas que um dia eu deixei de fazer.
Não me sinto vívido há tanto tempo que não recordo se sei verdadeiramente o que é isso. Sigo inabalável como nunca, nada mais me faz rir ou faz chorar não há ninguém aqui para eu provar que existo.
“(…) Oh Mother, I can feel
The soil falling over my hea”.
Ele cantou mais um pouco, com o mesmo olhar mórbido do início. Até se perder em silêncio pelos seus mais profundos pensamentos.
– Moço. Você esta bem? – uma menina, criança curiosa, despertou a sua atenção.
A menininha o perguntou se o ancião estava bem, na intenção de no final ela poder dizer a ele que não estava. Tão pequena, obtinha um nó na garganta tão largo que mal havia como medir, assim estava, pois segurava o choro, pobre criança, e seu sofrimento juvenil.
– Que? – o homem balbuciou, já que foi surpreendido ao ter uma presença ao seu lado, ironicamente depois de dizer que ninguém ali estava; ninguém via sua existência ao léu.
A criança deu uma risada torta e ao mesmo tempo gostosa de ouvir, só por ser verdadeira e vinda de alguém que estava sem um dente da frente, esperando a chegada do permanente aparecer. Logo após isso, uma lágrima lhe escorreu pelo canto do olho direito, ela piscou para tentar apagar aquela visão, mas não adiantou.
– Pequenina, que aconteceu?
– É besteira, senhor. Mamãe disse que passa. – respondeu prendendo o choro com uma careta um tanto engraçada no rosto, pensou o senhor.
– Se é besteira, por que chora? – retrucou.
– Não choro, nunca choro… – falou secando as lágrimas que insistiam em cair. Agora foi a vez de o velho dar uma gargalhada fraca. – Quer dizer, às vezes, assim, só um pouquinho – demonstrou com as mãos o que seria um espaço pequeno – eu choro por medo.
– Medo de que? Bicho papão? – perguntou com um tom irônico, pois duvidava da capacidade dela de sentir algum medo além desse.
– Você está de brincadeira comigo? – ergueu a sobrancelha para ele. – Esse eu já perdi faz tempo, e na verdade esse é o perigo…
– Medo de perder seu medo? – aquela pequena menina estava sendo capaz de enrolar a mente de um homem tão esperto, que agora deixava o cenho franzido.
– Não, moço. – suspirou – Medo disso que está acontecendo comigo. Um passo foi deixar de crer no bicho papão, até o papai Noel, quem diria? Ele não existe! – seus olhos beiravam decepção. – Olha meu dentinho, daqui a pouco nasce outro, por que isso tudo é tão rápido? – Mais uma vez não se conteve para não chorar. – Por que temos de crescer?
– Então você tem medo de amadurecer? – concluiu o idoso.
– Eu tenho medo da saudade que está se formando aqui, depois que isso vem acontecendo – finalizou com a mão acima do peito esquerdo. No coração.
– Saudade? – perguntou intrigado.
– Sim, moço. – desanimada continuou – Saudade. – olhou para ele como se esperasse uma solução.
Mal sabia a coitada que tanta saudade que ela sentia, aquele que encontrava ao seu lado parecia sentir em dobro. O mesmo só soube olhar pra ela, ainda sem expressão. Nem um sorriso torto, nem nada a mais. Pois estava a pensar.
Num curto intervalo de tempo em que a menina queria ser puxada da tristeza que se encontrava, talvez de três minutos, que para ela pareciam eternos, a cabeça grisalha do homem estava a trabalhar. Naquele momento eterno, ou curto, nesta metamorfose, aquele senhor, lá para seus oitenta anos lembrou tudo que passou em sua vida. Tudo que sua memória ainda o deixava resgatar.
– Criança… – fez a menina o olhar com súplica finalmente depois de esperar ao menos esta palavra. – Você disse que sente saudade, não é? Oh, tão pequena, e tanta saudade… Mas já… – parou para pensar mais um pouco. – Na sua idade eu também sentia isso, sabia?
– Hum, você? – ela questionou.
– Sim, sentia tanta saudade e… Olhe onde estou. Um velho, não caduco, mas um velho certamente – e a olhou dentro dos olhos. Esta assentiu.
A cabeça dos dois fervilhava e estes tinham a mente girando mais uma vez naquela palavra. Na tal saudade que os atormentava.
– Sabe… Com o passar dos anos e ao adquirir cabelos grisalhos iguais aos meus, você aprende a conviver com a saudade. – parou para analisar o que tinha dito e antes que pudesse continuar…
– Sério? – questionou a menina.
– Sério. – sorriu – Eu, por exemplo, já sofri muito de saudade.
Nesse momento sentiu como se sua cabeça houvesse se iluminado.
– É menina, eu já sofri sim, por muita saudade nesse meu peito tão antigo, mas sabe de uma coisa? – e novamente, ele sorriu.
– Do que tenho de saber? – ela perguntou curiosa, e cativada pelo seu sorriso que não conseguia ver no começo da conversa.
– Saudade sempre vai existir na nossa vida, isso é normal, mas viva menina, viva! - empolgou-se – Viva… Você está nesse mundo para viver, sem medos, não pense no que vem depois, apenas viva sem temer a saudade. Você vai ver que vale a pena, um velho amigo me ensinou.
E seu velho amigo era ele mesmo. Naquele momento, o homem sem expressão, sorria com lágrimas de emoção aos olhos. E também ali ele descobria que ele existia sim, que o mundo o notava, mesmo se outras pessoas não se importassem com ele, percebeu que ele se importava e que não deveria se perder na saudade, pois ela só era um complemento da vida, e não a única coisa a ser mal vivida.
Ele levantou do banco dando uma última piscadela para a criança. Virou para um lado e saiu sorrindo triunfante depois de anos sem fazer isso.
Ela fez o mesmo para o lado oposto, sem nó na garganta, sem medo. Sorrindo, mostrando a janela que se abria entre seus dentes pensando em aproveitar o restinho daquele dia, onde o Sol já pensava em se pôr ao fundo da verde grama da antiga praça.
“There is a light that never goes out
There is a light that never goes out
There is a light that never goes out
There is a light that never goes out (…)”. - Gabriela Andrade e Taina Andrade